quinta-feira, 22 de setembro de 2011

domingo, 17 de julho de 2011

Isaque

Me lanço por 30 segundos
Sob o abismo em preto e branco
Ovelha nua sobre a zebra de abate

Sou-me, inerte à treva:
Vai ter-me em suor

Flutuo nos fechos brancos
No asfalto armado o altar
Pai, onde está o cordeiro?

Deus proverá para si now!






sexta-feira, 1 de julho de 2011

'O Caminho do Campo'



"Do portão do Jardim do Castelo estende-se até as planícies úmidas do Ehnried. Sobre o muro, as velhas tílias do jardim companham-no com o olhar, estende ele, pelo tempo da Páscoa, seu claro traço entre as sementeiras que nascem e as campinas que despertam ou desapareça, no Natal, atrás da primeira colina, sob turbilhões de neve.
Próximo da cruz do campo dobra em busca da floresta. Saúda, de passagem, à sua orla, o alto carvalho que abriga um banco esquadrado na madeira crua".
(Trecho do texto: O Caminho do Campo | Martin Heidegger)


Vivenciando a vida e mortificando a morte. Onde encontramos o limite, a exatidão, que separa a cultura da natureza, a vida da existência?
O homem significa os fatos para dar sentidas as causas. Abstrai, achando que encontrou aquilo que por ele mesmo foi dado: o sentido.
Natal, um dos significados mais cauterizados na cultura humana, traz suporte ao sentido do nascer, do passar à existir. Traz significâncias a terra de onde foi provido. As velhas tílias, por exemplo citadas no texto, tem como terra natal, o jardim do castelo.
Enquanto o autor descreve as sementeiras que nascem descreve também as campinas que despertam ou desaparecem, em pleno Natal. Nesse Natal descrito aqui, não faz sentido as campinas, as tílias, as colinas, pois elas vivem pela temporalidade, e discretamente indiferentes, morrem em pleno Natal. Mas como se morre no Natal?
Na música “Por Enquanto” do poeta Renato Russo, ouvimos que: Mudaram as estações, nada mudou. Mas eu sei que alguma coisa aconteceu. Está tudo assim tão diferente. Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar. Que tudo era pra sempre. Sem saber, que o pra sempre, sempre acaba. Acaba porque morre; morre porque a cada estação, a natureza triunfa, e o corpo que somos perece.
Para suportarmos a morte criamos a Páscoa, também presente no texto. O poder de matar não é exclusivo do ser humano, mas o de “transformá-la”, sim. Na última linha do parágrafo, Heidegger detalha a cena do carvalho que abriga um banco esquadrado na madeira crua. Vemos a imagem de um carvalho que vela uma outra árvore morta, já transformada em banco, percebemos então a grandeza da significação, o fascínio que existe na Metafísica da Páscoa. A morte morre, para que renasça num outro corpo. Em forma de bancos, de fênix, de adubo, de Cristos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meu Texto

     
             Embora não fosse freqüente acordar com enjôo, naquela manhã tudo lhe causava um embrulho triste, gerado por um mal estar. Nada parecia estar bem. Demorou para lembrar-se o quanto isso é normal quando se está em período de gestação.
                Já fazia um bom tempo que não se lembrava de sua própria gravidez, até o momento em que voltou a ter as estranhas dores da contração. Era difícil lidar com a sensação de fim, pois assim lhe parecia o esperado momento de estréia.
                O enjôo parecia piorar com o balanço constante do ônibus e doía muito pensar no momento de dar a escuridão. Um besouro grande como um globo ocular entra pela janela roubando a atenção do público. Mas não era seu vôo brusco, atordoado, que causava o alvoroço repudioso na platéia passageira. Era o simples fato de ser besouro. Ele jamais imaginara que naquela manhã, desagradavelmente ensolarada, teria de assistir um trabalho de parto.  Não fora convidado, mas sentou-se na primeira fileira.
                Um homem com ímpeto tebano, com um sapato agudo em punho iniciou o trabalho de parto; invasivo como numa cesárea, passou a, em vários golpes, trazer-lhe lembranças. Lembrou-se das aulas de filosofia nas quais seu professor gostava de repetir que Sócrates dizia “herdei de minha mãe o ofício de parteira, pois trago a luz os pensamentos mais entranhados de meus ouvintes”. Não conseguiu ver com tanta beleza socrática o oitavo golpe que soou brutal de tão atrapalhado, mas necessário para matar o besouro.
                   Assistiu tudo num gritante silêncio, que poderia ser interpretado como indiferença à dor do parto. Casou-lhe um pânico sutil imaginar que poderia ter nascido besouro, aquele mesmo sutil pânico que permeia as prenhes, causando-lhes ânsia por seu dia de despejo. Todo idoso humano espera que seu dia de leito seja indolor. As dores, a contração já lhe parecia tão real quanto vida, mas morria de medo de pensar em parir.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

À Margem










“Pouco antes das quatro horas de uma madrugada recente, um comboio de seis veículos encostou junto à calçada da rua Visconde de Pirajá, a mais movimentada de Ipanema, no Rio de Janeiro.
Um homem de óculos, na faixa dos 50 anos, vestido de camisa polo e calça jeans, bateu a porta da picape com força e, seguido por quatro seguranças musculosos, andou em direção à entrada de uma loja. Embaixo de uma marquise, três homens dormiam. Enrolados em panos velhos, usavam papelão encardido como colchão e sacolas de plástico como travesseiro. Em volta, havia garrafas pet vazias e jornais. O grupo recendia a suor, álcool, urina.
"Bom dia", disse o homem da picape, "os senhores queiram se conduzir ao ônibus para nós os levarmos ao abrigo. "Um dos maltrapilhos, o que havia coberto a cabeça com a camiseta, colocou parte do rosto para fora, esforçando-se para entender o que se passava. Resignados, os mendigos começaram a se movimentar em câmera lenta.
Mal levantaram, dois garis entraram em cena como um furacão. Em menos de cinco minutos, sumiram com as sacolas, um carrinho de feira, os restos de papelão, os jornais e as garrafas de plástico. Tudo foi jogado dentro da caçamba do caminhão. Para os garis, era lixo. Para os mendigos, tudo o que tinham na vida.
‘Antes, fazíamos a ronda às sete da manhã, mas dava tempo da pessoa correr, causar tumulto", explicou dias depois o cérebro da limpeza, Bruno Ramos, um advogado de 31 anos, de camisa e cabelos engomados. "Agora é só na madrugada. Quando todo mundo está dormindo é mais fácil’.”

Morar na rua em Ipanema Revista Piauí - 41


Foi ao descobrir em Descartes a metaforafísica, da Estrutura do Pensamento, da moral, dos valores como de uma casa, que devemos desconstruir para construir melhor, que deparei-me no espelho com um mendigo acomodado.
Só depois reparei, nas notas de roda-pé do método, que cada cômodo deveria ser derrubado por vez, e que um ao menos devia ser poupada da marreta, para servir-me de abrigo provisório até o levantamento de um novo estar para se há lugar.
Tarde demais. Percebi que já não existia mais um fio de forro sobre mim. E a causa do pânico não era da falta de enfileiramento dos tijolos, mas, da ausência de preocupação com a balburdia no concreto.

Não vi problema algum em me juntar à classe dos marginalizados. Havia uma paz em saber que meu percurso, como de um rio, era por si só o sentido de seguir em frente.
Viver à margem não é problema quando se é um rio.
Não se nasce marginal, é nos desaguamentos que a metamorfísica nos ocorre. Pois, durante o percurso, banhamos os corpos, lavamos o chão, regando a vida daqueles que logo adiante se envergonharão de te ter cruzando a avenida e, com imenso desprezo, te chamarão de Marginal; tu Tietê.

Uma vez, ao chegar em casa, vi no banheiro um diferente frasco de xampu, logo percebi que era infantil. Ao abrir e cheirar aquela fragrância suspendeu-se-me a realidade, não sabia que se podia sentir esperança pelo nariz. Não acreditava que em 150ml era possível conter tanta promessas de eternidade.  Como um simples xampu podia alegrar tanto um morador de rua? De repente, fez completo sentido o versículo da embalagem: “Chega de lágrimas®”.
Então, me lavei no rio, banhei o meu corpo. Enquanto a espuma de esperança me poluía em ilusão, eu poluía a ti, Tietê, e a suas margens transbordavam nas marquises de Ipanema...