quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meu Texto

     
             Embora não fosse freqüente acordar com enjôo, naquela manhã tudo lhe causava um embrulho triste, gerado por um mal estar. Nada parecia estar bem. Demorou para lembrar-se o quanto isso é normal quando se está em período de gestação.
                Já fazia um bom tempo que não se lembrava de sua própria gravidez, até o momento em que voltou a ter as estranhas dores da contração. Era difícil lidar com a sensação de fim, pois assim lhe parecia o esperado momento de estréia.
                O enjôo parecia piorar com o balanço constante do ônibus e doía muito pensar no momento de dar a escuridão. Um besouro grande como um globo ocular entra pela janela roubando a atenção do público. Mas não era seu vôo brusco, atordoado, que causava o alvoroço repudioso na platéia passageira. Era o simples fato de ser besouro. Ele jamais imaginara que naquela manhã, desagradavelmente ensolarada, teria de assistir um trabalho de parto.  Não fora convidado, mas sentou-se na primeira fileira.
                Um homem com ímpeto tebano, com um sapato agudo em punho iniciou o trabalho de parto; invasivo como numa cesárea, passou a, em vários golpes, trazer-lhe lembranças. Lembrou-se das aulas de filosofia nas quais seu professor gostava de repetir que Sócrates dizia “herdei de minha mãe o ofício de parteira, pois trago a luz os pensamentos mais entranhados de meus ouvintes”. Não conseguiu ver com tanta beleza socrática o oitavo golpe que soou brutal de tão atrapalhado, mas necessário para matar o besouro.
                   Assistiu tudo num gritante silêncio, que poderia ser interpretado como indiferença à dor do parto. Casou-lhe um pânico sutil imaginar que poderia ter nascido besouro, aquele mesmo sutil pânico que permeia as prenhes, causando-lhes ânsia por seu dia de despejo. Todo idoso humano espera que seu dia de leito seja indolor. As dores, a contração já lhe parecia tão real quanto vida, mas morria de medo de pensar em parir.

3 comentários:

  1. Ótimo texto. Interessantíssimo. Parabéns, meu querido. Saudades. Fique com Deus. Beijos. Au revoir.

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  2. Beleza, caro Gunar.

    Seu texto é poético na mensagem e na embalagem.
    Parabéns.

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