Embora não fosse freqüente acordar com enjôo, naquela manhã tudo lhe causava um embrulho triste, gerado por um mal estar. Nada parecia estar bem. Demorou para lembrar-se o quanto isso é normal quando se está em período de gestação.
Já fazia um bom tempo que não se lembrava de sua própria gravidez, até o momento em que voltou a ter as estranhas dores da contração. Era difícil lidar com a sensação de fim, pois assim lhe parecia o esperado momento de estréia.
O enjôo parecia piorar com o balanço constante do ônibus e doía muito pensar no momento de dar a escuridão. Um besouro grande como um globo ocular entra pela janela roubando a atenção do público. Mas não era seu vôo brusco, atordoado, que causava o alvoroço repudioso na platéia passageira. Era o simples fato de ser besouro. Ele jamais imaginara que naquela manhã, desagradavelmente ensolarada, teria de assistir um trabalho de parto. Não fora convidado, mas sentou-se na primeira fileira.
Um homem com ímpeto tebano, com um sapato agudo em punho iniciou o trabalho de parto; invasivo como numa cesárea, passou a, em vários golpes, trazer-lhe lembranças. Lembrou-se das aulas de filosofia nas quais seu professor gostava de repetir que Sócrates dizia “herdei de minha mãe o ofício de parteira, pois trago a luz os pensamentos mais entranhados de meus ouvintes”. Não conseguiu ver com tanta beleza socrática o oitavo golpe que soou brutal de tão atrapalhado, mas necessário para matar o besouro.
Assistiu tudo num gritante silêncio, que poderia ser interpretado como indiferença à dor do parto. Casou-lhe um pânico sutil imaginar que poderia ter nascido besouro, aquele mesmo sutil pânico que permeia as prenhes, causando-lhes ânsia por seu dia de despejo. Todo idoso humano espera que seu dia de leito seja indolor. As dores, a contração já lhe parecia tão real quanto vida, mas morria de medo de pensar em parir.